Rafael Amorim é poeta, pesquisador independente e artista visual graduado pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Durante 2021 fez parte do 2º Ciclo de Residência da Galeria Refresco e da segunda turma da Escola Livre de Artes do Galpão Bela Maré. Em 2019 foi estudante bolsista pelo Programa de Formação Gratuito da Escola de Artes Visuais do Parque Lage e autor premiado pela 4ª Edição do Prêmio Rio de Literatura com seu livro de estreia, "como tratar paisagens feridas" (Ed. Garamond). Em sua produção interdisciplinar vem se interessando pela criação de trabalhos verbo-visuais através da intersecção entre as artes visuais e a poesia, também pela reorganização de signos encontrados no subúrbio carioca.
Título: Conjunto 1
Técnica: Placa de metal, 9,5 x 15 cm, e fotografia

O artista propõe a aplicação de uma placa de metal, medindo 9,5 x 15 cm, com a palavra “AQUI” sobre a palavra “RIO” no letreiro “Museu de Arte do Rio”, situado acima dos elevadores do pilotis do MAR. Em outro ponto da cidade é fixada a placa com a palavra “LÁ”, criando uma linha imaginária que conecta espaços distanciados geográfica e socialmente.
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morim/
Resolvi colar numa farmácia que tem esse slogan. Há dois anos, numa das voltas pra viver aqui em SP, mais precisamente no dia que comecei a resi na Faap, estive na farmácia. A funcionária do caixa, à minha resposta "Débito", perguntou de onde eu era. De Recife, respondi com o mesmo "d" labiodental que fez ela me identificar como estrangeiro. Ela concluiu: "E você não quer voltar para lá?!".
O viaduto do Lameirão é o ponto de travessia para os moradores que precisam se deslocar para os centros (o da cidade ou dos bairros vizinhos). No ponto mais alto do extenso trajeto feito a pé, bem acima da linha do trem, a paisagem é bonita e melancólica pela manhã e hostil e amedrontadora à noite. Em qualquer horário, estimula a expectativa de chegar ao outro ponto.
Porta do quarto à esquerda, na casa 2, número não informado, situada na rua Taquaruçu, Ricardo de Albuquerque, RJ.

Tudo começa e termina nesse quarto que é reduto, ateliê, afeto e descanso, sendo a porta forte, resistente e detentora de histórias de proteção, silêncios e sons abafados, com suas manchas, lascas e batidas ao vento. Ela já fez fresta pra ouvir sons que vinham de longe ou encerrar diálogos, já ocultou tantas vezes minha presença do resto da casa, protegeu sentimentos e vergonhas. Delimita o território onde me sinto mais confortável e, durante a pandemia, mais protegida: é entrar, fechar a porta e esquecer o caos - pelo menos o lá de fora. Talvez essa porta seja mais velha que eu, tenho quase certeza disso, não me lembro de haver outra. O mais certo é que ela é testemunha única de muito do que acontece aqui dentro de mim e mais ninguém vê. Testemunha as insônias e as dancinhas de toalha também. Queria saber o que ela testemunhou antes que eu fizesse dela minha. Se ela não existisse aqui forte e imperativa, esse seria apenas mais um cômodo sem dono, sem nome, sem afeto
afixei na frente da minha casa que ainda está em construção. ela foi colocada próxima ao portão de entrada e coligada ao nosso estúdio de trabalho (estúdio 282). um grande porão criativo à altura da rua que estará aberto a visitas quando a pandemia acabar. nele, meu marido trabalha com tricô e eu com artes (visuais... relacionais... conceituais... etc.). mas há outra peculiaridade na escolha do local onde fixei a placa. se notar, ela foi colocada em uma imensa empena cega criada/pensada por nós para ser ocupada pelo trabalho de outres artistas visuais. ao fixar a imagem fiquei com um desejo enorme de cobrir todo este espaço com outros AQUIs e LÁs. esta rua em que vivemos é um local muito movimentado. há muites moradores, mas também turistas passando por ela durante todo o tempo. existem, entre esses, aqueles que estão hospedados em pousadas ou casas. e também outra gigantesca parte que caminha em direção à Serra de São José onde vão fazer turismo ecológico. bem, estamos na cidade mas também somos fronteira entre a urbanidade e natureza... limítrofes... a escolha da palavra AQUI procura apontar que é aqui o lugar onde a arte contemporânea vai estar situada. É aqui que ela poderá se relacionar com todes da cidade... não apenas com turistas, mas também com a comunidade. Sem elitização... aberta, direta e franca.

AQUI é um espaço de poesia, de doação e amor à todes. sem distinção. neste momento tão tenebroso que vivemos ele (nós) estamos nos resguardando, mas assim que isso tudo tiver terminado ele estará completamente aberto. bem AQUI.
Decidi escolher a Reitoria do Fundão pois é minha escola e onde estou fazendo minha graduação, minha segunda casa e uma grande etapa de desenvolvimento da minha carreira acadêmica e profissional além de indivíduo. É a segunda casa de muitos outros estudantes e artistas. É uma segunda casa de muitas histórias consagradas na história da arte e futuras histórias. Uma escola pública de arte, um exemplo de instituição histórica que possibilita mais uma democratização do acesso à arte em uma cidade onde o polo artístico se concentra em áreas nobres. Embora sua localidade esteja na Ilha do Fundão, foi movida durante oRegime Ditatorial do Centro do Rio, onde é o atual Museu Imperial de Bela Artes. Mesmo diante disso, a Escola de Belas Artes tem a capacidade de acolher alunos, afetos e histórias por longos períodos, alguns se formam em 4 anos, alguns em 10 anos, alguns abandonam a matrícula, apesar de diversos incêndios, sucateamento de verba e falta de mais estruturas básicas, não é átoa que é uma das instituições que leciona um dos primeiros cursos de graduação do Brasil desde o Império. A UFRJ resiste contra os cortes de verba e a Reitoria é parte disso. Dessa forma como eu e muitos estudantes estamos lidando com a pandemia nesse atual governo: Resistimos como nossa universidade, nossa segunda casa.
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